Mais de uma década depois da edição da Lei 11.101/05 (“Lei de Recuperação e Falência”), a jurisprudência brasileira ainda não definiu posição uniforme no que se refere à disciplina dos débitos tributários de empresas em recuperação judicial, o que recentemente ficou refletido em decisão proferida, no dia 27 de abril de 2017, pelo Juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo/SP no âmbito da recuperação judicial do Grupo Gep, titular das marcas Luigi Bertolli, Emme e Cori (Processo n.º 1007989-75.2016.8.26.0100).
Na decisão, o juiz Marcelo Barbosa Sacramone condicionou a manutenção da homologação do plano de recuperação judicial, já aprovado pela assembleia geral de credores, à apresentação de certidões negativas de débitos tributários, ressalvando que “às recuperandas, deverá ser permitida a adoção do melhor parcelamento existente”, o que configura novo entendimento judicial sobre a matéria.
Antes da edição da Lei 13.043/14, que estabeleceu, no âmbito federal, o regime de parcelamento dos débitos tributários das empresas em recuperação judicial, consolidou-se posicionamento jurisprudencial no sentido da inexigibilidade da apresentação de certidões negativas de débitos tributários para fins de concessão judicial da recuperação, sobretudo a partir do julgamento do Recurso Especial n.º 1.187.404/MT pela Corte Especial do Superior Tribunal de Judicial, em junho de 2013, a despeito da previsão expressa do artigo 57 da Lei 11.101/05 e do artigo 191-A do Código Tributário Nacional. 1/2
No julgamento do referido recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a situação de regularidade fiscal seria garantida pelo direito da empresa em recuperação judicial ao parcelamento tributário, de modo que o descumprimento da exigência do artigo 57 da Lei de Recuperação e Falência seria decorrente da ausência, à época, de legislação específica que disciplinasse o parcelamento em sede de recuperação judicial, de modo que, enquanto não suprida a inércia do legislador, seriam inexigíveis as certidões negativas de débitos fiscais para fins de homologação do plano de recuperação judicial.
Com o advento da Lei 13.043/14, o posicionamento dos Tribunais de Justiça passou a ser divergente. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, as câmaras reservadas de direito empresarial, competentes para o julgamento de recursos advindos de processos de recuperação judicial, após inicial dissidência, pacificaram-se na linha de manter a dispensa das certidões negativas, seja em razão da abusividade de determinados requisitos estabelecidos pela Lei 13.043/14, como a renúncia pela empresa em recuperação a quaisquer pretensões de rediscussão de débitos tributários em juízo, seja em decorrência da ausência de legislação especial em outros entes da federação. Já em outros Estados, como o de Goiás, o entendimento majoritário passou a ser o de exigência da apresentação das certidões como condicionante da concessão da recuperação.
A decisão proferida no processo de recuperação judicial do Grupo Gep, apesar de exigir a apresentação das certidões, configura novo posicionamento sobre o tema, na medida em que permite as empresas recuperandas optarem por regime de parcelamento mais benéfico e distinto do estabelecido pela Lei 13.043/14.
Vale ressaltar que se aguarda decisão na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 46 (“ADC 46”), ajuizada pelo Governador do Distrito Federal no final de 2016, na qual é requerida a declaração de constitucionalidade dos aludidos artigos 57 da Lei de Recuperação e Falência e 191-A do Código Tributário Nacional, bem como a constitucionalidade do artigo 6º, parágrafo 7º, da Lei 11.101/05, que excepciona as execuções fiscais da suspensão decorrente do deferimento do processamento da recuperação judicial.
Como se nota, ainda mostra-se atual a discussão acerca do tratamento dos débitos tributários em sede da recuperação judicial, tema sensível às empresas em dificuldades financeiras, sobretudo nos últimos anos em razão da crise econômica do país.
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1 “Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”.
2 “Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei”.